sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

34


Era tudo pose. O cabelo dramaticamente organizado em camadas que balançavam ao vento. A bolsa, réplica de marca famosa, carregava um telefone celular pré-pago, batom, lixa de unha e uns cacarequinhos bobos que de nada serviam além de dar volume ao couro - de seringueira - marrom.

O ônibus sacolejava e em igual sacolejo estavam sincronizados os cabelos e os badulaques dentro da bolsa. Não era necessário olhar raio-X para saber o que carregava a bolsa muito menos para saber o que estava dentro da cabeçazinha que sustentava as madeixas loiro-envelope. Desceu do ônibus e num salto cuja sustentação humana seria impossível em condições normais e, atravessou, fora da faixa, a avenida tão comprida quanto uma belém-brasília da vida.

Do nada veio uma van-kombi-perua e atingiu os saltos, os cabelos e a bolsa; saltos e bolsa foram atirados ao longe e os cabelos caíam lentamente e balançados por um zéfiro. Em menos de vinte e oito segundos uma multidão estava ao redor da cena do acidente.

A moça levantou, disse estar tudo bem, conferiu as unhas exageradamente polidas e vermelhas, retocou o batom e terminou de atravessar a avenida. Nada sofreu de grave além de um corte superficial na testa perfeitamente curável com band-aid e mercúrio cromo. Era tudo pose.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

33


Paz confortavelmente entra pelos meus ouvidos olhos pés mãos me conforta massageando tudo aquilo  doía lá dentro de mim  não era tranqüilo  não era bom. Paz invade constantemente meu ser e vai tomando meus pés da onde eles deveriam estar presos ou andando. Paz me desconforta me incomoda me irrita me tolhe me mata me escalpela me desorienta me deixa ... em paz.