terça-feira, 23 de março de 2010

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A filha menos querida, única prestativa sem dramas ou reclamações, ajuda ao pai com sua organização minuciosamente clínica. Todos os finais de semana desde a morte da mãe - Deus a teve - dedica seus préstimos domésticos à casa paterna. É um zelo sem igual.

O velho, um aposentado rabugento, passa mais da metade do seu dia útil sentado numa poltrona de couro marrom, de onde, confortavelmente dita regras para o  andamento (caótico) da casa. A poltrona, presente da filha menos querida em comemoração a aposentadoria do pai, ficou guardada na garagem por quinze anos. O retorno da poltrona a superfície - superfície levando em conta o posicionamento da garagem em relação aos outros dois pavimentos da casa - se deu quando à morte da esposa, o velho precisou de algo igualmente grande, quente e confortável para completar a lacuna que a esposa deixara.

(São quatro filhos ao todo: três mulheres já feitas e um moço ainda em má formação).

No imaginário da vizinhança, constituída de uns tipos interessantemente caricatos, àquele lar é um lar feliz. Quanta imaginação atrapalhada. A casa vive em bagunça e a santa filha menos querida sempre tenta manter a ordem. O pai, ingrato, apenas resmunga; palavras claras e límpidas só são ouvidas quando “nunca atendem um pedido simples” ou “ainda não trouxe meu café”.  Como a esposa deve fazer falta. Embora a coitada deva estar agora, não importa onde, mais tranqüila. Os outros filhos moram na casa paterna e abusam sem dó dos préstimos da irmã. Que santa!

(Tal situação precisa acabar logo. Filha menos querida não merece mais sofrer. Mas, não pensem que algum príncipe irá salvá-la ou algo do gênero. Ser reconhecida como filha redentora, muito menos).

No sábado mais bonito daquele mês, filha menos querida acorda cedo-ainda-escuro, prepara um delicioso café da manhã, medica o pai e com suas prendas domésticas deixa a casa um verdadeiro brinco de diamantes. Em estado bruto. Arruma suas coisas na habitual valise preta e sai com um ar triunfante de dever cumprido.

Filha-menos-querida ir embora para sempre e nunca mais voltar já seria vingança suficiente para aquela família; mas por um descuido ingênuo durante o fazer do café da manhã, o gás ficou ligado. Algumas pessoas (in)felizmente não resistem ao gás butano. Ligado por horas em ambiente fechado sem ventilação pode até fazer mal a saúde.

Um silêncio pacífico e comovido foi promovido. Os cretinos ficaram, finalmente, em convergência.

11 comentários:

  1. Nossa, acho que vc me deu uma ideia! ahuhuauhahuahuahuauha. Zuera. Tava sentindo falta dos seus textos! Beijooo

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  2. Você tinha razão.. eu estava esperando pelo desfecho o tempo todo!

    muito bom, Irgo!

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  3. Vou dar uma dica: não façam isso em casa.

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  4. eu gostei desse texto, bem bacana :D

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  5. eu adorei muito mesmo.
    Passa no meu tbm ok?
    mas sobre o texto, achei lindo!
    beijos

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  6. gente, quase que nao acabo, fiquei passado com o desfecho mas amei

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  7. Não sei se este descuido foi tão ingênuo assim...ainda acho q ela é uma psicopata....quem sabe até foi ela quem provocou a morte da mãe...
    ela faz as coisas pra ser vista como uma coitada,vítima...mas sem a máscara ela deve ser um monstro!!!hauahaua...nossa,até o irmão com má formação ela deu um jeito de matar...

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  8. Adorei, me identifiquei aliás, mas não sou santa, só a menos querida. Parabéns, visitarei mais !

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