quarta-feira, 12 de agosto de 2009

22

Desci do ônibus e logo levei um susto. Anta Gorda não era mais a mesma. Tudo havia mudado. Seria injusto dizer que a praça estava mais florida que antes ou que o trânsito estava bem organizado e casava perfeitamente com a educação dos pedrestes. Não era tão simples. A cidade pequena que eu havia deixado uns anos antes agora era praticamente outra.
As diferenças foram sentidas por mim logo quando coloquei os pés no ônibus e percebi o conforto e a qualidade daquela viação. Impressionante! Até a companhia de ônibus estava melhor. Outro nível.
Passado o susto, ainda na rodoviária, resolvi pegar um táxi, o que anos antes seria considerado o cúmulo da mordomia ou da pobreza de espírito envolvendo aí a preguiça de andar poucos minutos. É possível ainda ouvir, num passado não muito distante, a crítica ferrenha dos habitantes mais antigos, coisas do tipo "não pode ver um carro que vai entrando". Enfim.
Enquanto me vangloriava por dentro - meio redundante isso, não? - por andar de táxi e fazer parte de algo vanguardista da cidade, o taxista admirando a minha cara de idiota, perguntou:
- É a primeira vez que o rapaz vem pra Porto Alegre?

sábado, 8 de agosto de 2009

21

Segunda-feira muito quente e nenhum pensamento conseguia ser formado por inteiro na minha cabeça, se conseguisse, não durava mais que uma piscada de olhos. Derretia. Calor nunca foi propício pra nada que envolvesse meu intelecto. Nem meu físico pra ser sincero. Pareço um zumbi, morto-vivo ou equivalentes, quando faz muito calor. Estava quente pra caralho.

Verão pra mim é insuportável e vovó veio de férias. Por tempo indeterminado. Paciência. Papai reclamava muito da presença da sogra. Pra ele a vinda da vovó era pior que o verão pra mim.No começo meu irmão e eu achavamos legal a idéia de ter nossa avó conosco, um tempo depois começamos a nos incomodar. Tadinha. Mamãe dizia que era precisava muito de todos nós.

Ela, vovó, ficava doente sempre. Tinha lapsos de memória. Parecia que ela também tinha a cabeça derretida aos poucos. Ainda assim, naquela altura, nada de tão grave. Aos poucos mamãe foi montando um albúm com legendas logo abaixo das fotos pra vovó lembrar das pessoas da família.

Interessante era a reação de minha avó com a albúm. Morria de ciúmes da sua "memória fotográfica", literalmente falando, e todos os dias após o almoço sentavamos, ela e eu, na varanda para ver e recordar daquela gente toda que eu não conhecia. E nem ela. Santa legenda.

Passando as páginas do albúm, parou em uma e me explicou, num colóquio surreal, quem era o rapaz de camisa bege e olhos claros. Eu fingia cara de curiosidade quando vovó me chamava para ver o albúm, mesmo conhecendo todos os habitantes dele.

Certa tarde, vovó sentada ao meu lado, ficou me olhando fixamente e não sabia quem eu era. Era estranho pra ela. No dia seguinte, a última foto colada no albúm até então, era a minha. O inverno enfim chegou.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

20

-Alô.
-Oi tudo bem meu amor?
-Oi! Sim, e com você?
-Tudo bem, como passou de ontem?
-Ah, normal e você?
-Normal também. Digo, nem tanto. Sem você nada é normal.
-Nossa que lindo!
-A propósito, sonhei com você essa noite e...
- Me conta como foi? Você se lembra? Como eu estava?
-Sim me lembro. Estavamos andando numa praça de mãos dadas, você com aquele vestido branco de alças, mais linda do que nunca...
-Que mais? Conta, conta.
- Nós sentamos num banco, te dei um beijo e te pedi em casamento. Você deu uma risada, disse que ia comprar sorvete e desapareceu. Estranho, não acha? Alô? Alô?

18

Certa vez eu descobri um segredo da minha mãe. Pode parecer algo simples, corriqueiro, inclusive, hábito apreciado por várias mulheres modernas e outras nem tão modernas e jovens assim, minha tia avó, por exemplo, fazia igualzinho a mamãe, e pasmem, com a mesma pessoa. Mas não imaginava a dimensão daquilo tudo, ainda mais ali, na minha casa.

Nunca me esqueci do dia em que mamãe me levou com ela e, ainda por cima, no carro do papai. Coitado. Se arrumou toda, colocou roupa bonita, passou batom, perfume e pronto. Fomos. Mamãe fazendo aquilo tudo com tanta naturalidade me espantava. Não compreendia. E eu, era conivente com aquilo tudo, embora naquela época conivente e canivete não eram muito diferentes pra mim.

Andamos por uns quinze minutos, no carro do papai, e finalmente chegamos no tal local. Mamãe se abaixou e me olhando nos olhos disse que se não fizesse isso, dentro de dois meses estaria igual a vovó. Entendi mais tarde o motivo da minha tia avó fazer aquilo também.

Perguntei a razão da vovó não fazer aquilo e mamãe me disse que vovó era uma mulher tradicional, já era muito esforço dela ir à manicure, imagina então tingir os cabelos.