sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

34


Era tudo pose. O cabelo dramaticamente organizado em camadas que balançavam ao vento. A bolsa, réplica de marca famosa, carregava um telefone celular pré-pago, batom, lixa de unha e uns cacarequinhos bobos que de nada serviam além de dar volume ao couro - de seringueira - marrom.

O ônibus sacolejava e em igual sacolejo estavam sincronizados os cabelos e os badulaques dentro da bolsa. Não era necessário olhar raio-X para saber o que carregava a bolsa muito menos para saber o que estava dentro da cabeçazinha que sustentava as madeixas loiro-envelope. Desceu do ônibus e num salto cuja sustentação humana seria impossível em condições normais e, atravessou, fora da faixa, a avenida tão comprida quanto uma belém-brasília da vida.

Do nada veio uma van-kombi-perua e atingiu os saltos, os cabelos e a bolsa; saltos e bolsa foram atirados ao longe e os cabelos caíam lentamente e balançados por um zéfiro. Em menos de vinte e oito segundos uma multidão estava ao redor da cena do acidente.

A moça levantou, disse estar tudo bem, conferiu as unhas exageradamente polidas e vermelhas, retocou o batom e terminou de atravessar a avenida. Nada sofreu de grave além de um corte superficial na testa perfeitamente curável com band-aid e mercúrio cromo. Era tudo pose.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

33


Paz confortavelmente entra pelos meus ouvidos olhos pés mãos me conforta massageando tudo aquilo  doía lá dentro de mim  não era tranqüilo  não era bom. Paz invade constantemente meu ser e vai tomando meus pés da onde eles deveriam estar presos ou andando. Paz me desconforta me incomoda me irrita me tolhe me mata me escalpela me desorienta me deixa ... em paz.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

32


Após quase um ano de namoro e quatro meses morando juntos, finalmente o pedido foi feito.  Na sala do nosso apartamento, que fazíamos questão de deixá-la sem móveis; apenas um aparador de vidro cuja única e exclusiva função era guardar as chaves do carro. Saí do banho e fui surpreendido por um abraço tão forte que se não fosse a força adquirida em anos de exercícios físicos teria explodido minhas costelas, abraço tão forte que me tirou o ar. E nem era preciso me abraçar forte pra me tirar o ar, sua singela fala ou singelo gesto, qualquer um que fosse, era forte e me deixava no mesmo patamar de alguém com um sério enfisema pulmonar.

Esbarrei a mão no aparador e o mesmo tombou, jogando as chaves no chão e se despedaçando em milhares de pedaços nos tacos de madeira. Ainda abraçados e ainda "enfisêmico", vi tudo aquilo em câmera lenta; cada pedaço sendo jogado longe, cada pedacinho sumindo na claridade que o sol das cinco fazia no chão da sala. Mas não nos preocupamos. O pedido se despedaçava no meu ouvido da mesma forma e na mesma frequência em que o vidro do aparador se espalhava no chão.

Sua cabeça estava colada a minha, sua voz entrava de maneira lenta e fracionada enquanto eu observava o mais ínfimo pedaço de vidro escapulindo e quicando pra fora da janela do apartamento. Com sua cabeça  colada a minha, fiquei com medo de pensar qualquer coisa que estragasse o momento e então imaginei  a minúscula lasca de vidro caindo no topo do sorvete do menino que passava sete andares abaixo e após engoli-la foi levado às pressas para o pronto socorro. Uma vez que sobreviveu a terrível sensação de comer vidro foi levado para casa e como recompensa por ter sido um bom garoto no hospital, ganhou outro sorvete. Foi o que pensei para ficar calado por um tempo.

No momento o corpo ficou desconexo com os sentidos mentais, era mesmo o pedido que eu queria ouvir desde quando passamos a morar juntos, e finalmente foi feito. Ao me soltar, descolei lentamente do seu corpo e percebi que havia molhado toda a camisa azul clara que eu havia passado na noite anterior, para uma reunião especial. Pedido feito, pedido aceito. Casal feliz.

Na lista de presentes de casamento uma nota foi feita no verso  - não por mim - e se lia:

Por motivos de ataques histéricos, momentos de alegria exacerbada e com o intuito de evitar engasgamento de outrem, agradecemos se aparadores de vidro não forem dados como presentes.

 Atensiosamente, o casal.

Meus amigos ficaram preocupados e com receio de que violência doméstica pudesse ser algo praticado com frequência e entusiasmo pelo casal e, eu tenho sempre que imaginar coisas diferentes a todo momento que estamos de cabeça colada, senão além de destruidor de objetos ainda serei tachado de estar obcecado por meninos com sorvete. E só para constar, a sala continua vazia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

30



Língua e linguagem são coisas que me espantam certas vezes. Ontem durante uma conversa não mais que genial ou não menos que estúpida ou vice-versa, fiquei questionando algumas palavras de nossa querida língua portuguesa, língua esta cheia de aspectos confundíveis e até dolorosos - aos olhos e ouvidos.
A palavra em questão é buceta. Sabemos que buceta vem de bolseta, bolsa pequena e que foi relacionada - quem sabe por qual motivo, não é minha gente? - ao orgão genital feminino.
Que dizer da palavra maneta? Maneta é o indivíduo que não possui mão; perneta não possui perna e por aí vai. Por aí vai? Não! Além de buceta temos a punheta, que poderia ser perfeitamente um sujeito sem punho, um caso menos fortunado de maneta, o sem mão.
O sufixo ETA então sugere falta de algo. É isso queridos professores lingüístas? Não precisamente, considerando que maneta e perneta são termos informais para nos referirmos aos alguma-coisa-eta. Punheta: mais informal impossível e trágico, dramático:
- Pobre menino punheta! 
 Não vou discorrer sobre a ambiguidade da frase acima que é quase paradoxal. Significando então a falta de algo, o que faltaria para o pobre (ou para a pobre) buceta? Buço minha gente! Muito buço. Eu, como exemplo, sou um buceta desde sempre, já que nunca tive um buço proeminente e piloso.
Citei acima que nossa língua possui aspectos confundíveis, e realmente possui. Se buceta designa mesmo alguém sem buço e poucos sabem - ou se significasse e poucos soubessem - teria-se muito problema. Imagine só a seguinte cena:  
-Mamãe, finalmente conheci um rapaz buceta! 
- Sério minha filha? Que bom isso! Pelo menos não terás problema com sopas no bigode de teu marido.
Isso ficaria pior ainda se levando-se em consideração outro sufixo de igual complexidade no caso de buço: o UDO/A.
 Frida Khalo (deve estar se revirando no túmulo, com meus perdões) foi uma artista bucetuda. Seu buço piloso era um de seus atributos físicos mais chamativos.
Termino o texto de hoje desapontado e confuso; com quase vinte e dois anos de idade ainda sou um buceta e mais ainda, tem mulher muito mais bucetuda que eu.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

29

... e do nada virou para o outro sofá, procurando alguém para comentar aquela cena engraçada que tanto o fazia rir. Era um hábito comentar as melhores cenas de tudo o que passasse na televisão. Mas, para a tristeza do momento, o sofá estava vazio.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

26

Da varanda térrea do sobrado na avenida acima da minha, D. Joana via tudo. Tudo o que passava, o dia todo. E não era pouca coisa. Soube que na época que a avenida era rua e D.Joana era moça e não era dona de nada, nem de si, havia um rapaz. Sim, um rapaz que todo dia lá perto da varanda passava com caixas. Da feira. E Joana olhava, amava, suspirava e quando não o via, chorava, peito chiava, soluço uivava.
Começaram a namorar, ela da varanda, ele da calçada. Ela não descia, ele não subia. E namoro havia.
Um dia a graça acabou. O rapaz, de tanta caixa carregar, encaixotado acabou. Joana logo com o dono da cartório se casou. A mãe morreu. Marido mudou. Virou D. Joana e com sua varanda, olhando a rua, lá ficou.

25

- Por você mantenho meu outro eu. M'eu aventureiro que corre riscos e rabiscos. Subindo prédios, caçando o sol, colorindo o céu. Rabiscando mesmo. Por você eu concedo à esse outro eu, o poder, dever e direito de ser eu sempre que você quiser. M'eu calmo quiçá lento preguiçosamente dorme nos seus braços desconfortavelmente em qualquer posição ou na fila de qualquer pão. Mas m'eu é seu e não meu.
- Vamos tomar café?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

24

"If I take you from behind and push myself into your mind, when you least expect it, will you try and reject it? If I'm in charge and I treat you like a child, will you let yourself go wild? Let my mouth go where it wants to. Give it up, do as I say. Give it up and let me have my way. I'll give you love, I'll hit you like a truck. I'll give you love, I'll teach you how to. I'd like to put you in a trance, all over me ..."

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

23

Bagagem extra. Extra. Preciso dela? Não preciso dela? Preciso. Não. É extra. Mas é fundamental. Como diria alguém que conheço, um plus. Não falo de malas, pochetes ( muito menos pochetes, ha!), e afins. Falo de conteúdo extra. Se a porra da mala é uma metáfora, sei lá. O papo aqui não é alfândega. Se bem que alfândega seria algo interessante de ser colocado aqui nesse texto, como uma barreira à bagagem extra. Algo que confiscasse saca? Como aquela sua professora chata que confisca seus gibis na sala de aula e impede que você exerça sua criativade, seu senso artístico. Sim, a tal da alfândega é um saco. Saco. O papo era mala e eu parei em saco. Aliás o papo não era mala, e sim conteúdo extra, o plus. Mala era só metafóra pra bagagem extra e tal. Bagagem extra pode ser o nome metonímico pra prolixidade, falácia ou no popular, encher lingüiça (agora sem trema). Como eu fiz no caso desse texto inútil que está aqui apenas pelo fato de, eu, Igor, não escrever nada de interessante for years. Tem alguma ferramente nesse Blog que faça papel de alfândega e confisque merdas como esta? Isso sim foi uma bagagem extra. Sem alça. Sem rodinha. Perdeu tempo quem leu.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

22

Desci do ônibus e logo levei um susto. Anta Gorda não era mais a mesma. Tudo havia mudado. Seria injusto dizer que a praça estava mais florida que antes ou que o trânsito estava bem organizado e casava perfeitamente com a educação dos pedrestes. Não era tão simples. A cidade pequena que eu havia deixado uns anos antes agora era praticamente outra.
As diferenças foram sentidas por mim logo quando coloquei os pés no ônibus e percebi o conforto e a qualidade daquela viação. Impressionante! Até a companhia de ônibus estava melhor. Outro nível.
Passado o susto, ainda na rodoviária, resolvi pegar um táxi, o que anos antes seria considerado o cúmulo da mordomia ou da pobreza de espírito envolvendo aí a preguiça de andar poucos minutos. É possível ainda ouvir, num passado não muito distante, a crítica ferrenha dos habitantes mais antigos, coisas do tipo "não pode ver um carro que vai entrando". Enfim.
Enquanto me vangloriava por dentro - meio redundante isso, não? - por andar de táxi e fazer parte de algo vanguardista da cidade, o taxista admirando a minha cara de idiota, perguntou:
- É a primeira vez que o rapaz vem pra Porto Alegre?

sábado, 8 de agosto de 2009

21

Segunda-feira muito quente e nenhum pensamento conseguia ser formado por inteiro na minha cabeça, se conseguisse, não durava mais que uma piscada de olhos. Derretia. Calor nunca foi propício pra nada que envolvesse meu intelecto. Nem meu físico pra ser sincero. Pareço um zumbi, morto-vivo ou equivalentes, quando faz muito calor. Estava quente pra caralho.

Verão pra mim é insuportável e vovó veio de férias. Por tempo indeterminado. Paciência. Papai reclamava muito da presença da sogra. Pra ele a vinda da vovó era pior que o verão pra mim.No começo meu irmão e eu achavamos legal a idéia de ter nossa avó conosco, um tempo depois começamos a nos incomodar. Tadinha. Mamãe dizia que era precisava muito de todos nós.

Ela, vovó, ficava doente sempre. Tinha lapsos de memória. Parecia que ela também tinha a cabeça derretida aos poucos. Ainda assim, naquela altura, nada de tão grave. Aos poucos mamãe foi montando um albúm com legendas logo abaixo das fotos pra vovó lembrar das pessoas da família.

Interessante era a reação de minha avó com a albúm. Morria de ciúmes da sua "memória fotográfica", literalmente falando, e todos os dias após o almoço sentavamos, ela e eu, na varanda para ver e recordar daquela gente toda que eu não conhecia. E nem ela. Santa legenda.

Passando as páginas do albúm, parou em uma e me explicou, num colóquio surreal, quem era o rapaz de camisa bege e olhos claros. Eu fingia cara de curiosidade quando vovó me chamava para ver o albúm, mesmo conhecendo todos os habitantes dele.

Certa tarde, vovó sentada ao meu lado, ficou me olhando fixamente e não sabia quem eu era. Era estranho pra ela. No dia seguinte, a última foto colada no albúm até então, era a minha. O inverno enfim chegou.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

20

-Alô.
-Oi tudo bem meu amor?
-Oi! Sim, e com você?
-Tudo bem, como passou de ontem?
-Ah, normal e você?
-Normal também. Digo, nem tanto. Sem você nada é normal.
-Nossa que lindo!
-A propósito, sonhei com você essa noite e...
- Me conta como foi? Você se lembra? Como eu estava?
-Sim me lembro. Estavamos andando numa praça de mãos dadas, você com aquele vestido branco de alças, mais linda do que nunca...
-Que mais? Conta, conta.
- Nós sentamos num banco, te dei um beijo e te pedi em casamento. Você deu uma risada, disse que ia comprar sorvete e desapareceu. Estranho, não acha? Alô? Alô?

18

Certa vez eu descobri um segredo da minha mãe. Pode parecer algo simples, corriqueiro, inclusive, hábito apreciado por várias mulheres modernas e outras nem tão modernas e jovens assim, minha tia avó, por exemplo, fazia igualzinho a mamãe, e pasmem, com a mesma pessoa. Mas não imaginava a dimensão daquilo tudo, ainda mais ali, na minha casa.

Nunca me esqueci do dia em que mamãe me levou com ela e, ainda por cima, no carro do papai. Coitado. Se arrumou toda, colocou roupa bonita, passou batom, perfume e pronto. Fomos. Mamãe fazendo aquilo tudo com tanta naturalidade me espantava. Não compreendia. E eu, era conivente com aquilo tudo, embora naquela época conivente e canivete não eram muito diferentes pra mim.

Andamos por uns quinze minutos, no carro do papai, e finalmente chegamos no tal local. Mamãe se abaixou e me olhando nos olhos disse que se não fizesse isso, dentro de dois meses estaria igual a vovó. Entendi mais tarde o motivo da minha tia avó fazer aquilo também.

Perguntei a razão da vovó não fazer aquilo e mamãe me disse que vovó era uma mulher tradicional, já era muito esforço dela ir à manicure, imagina então tingir os cabelos.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

15



Meu destino sempre é desconhecido. Na mala levo muito espaço vazio. Sempre trago luz mágica cores sabores por isso preciso de espaço. Viajo e nunca volto. Por completo. Um pouco de mim fica lá. O resto vem junto com as coisas da mala. Minha mala sempre quer mais espaço pra caber mais cores e mais sentidos. Meu destino depende de quão vazia é minha mala.

-Uma passagem para qualquer lugar por favor.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

14


O pássaro que vejo pela manhã não é verde, mas com muita sede vem da minha água beber. O príncipe não tem cavalo, não é galã de novela e muito menos me defenderia em um duelo de espadas. No jantar não tem luz de velas, a gente bebe cerveja e água pra lavar as louças, o pássaro bebeu. Não vamos passear lá fora sem cavalo e a novela começou. O galã janta com seu amor, bate no vilão e eu invejo o que não sou. Meu reino está bagunçado, não estou valendo um trocado e aqui mesmo a historinha acabou.

13


Ontem amanhã talvez hoje à tardinha, sentado num banco branco bela praça num belo horizonte, vi você passar com pasta, moletom e sapato gasto. Só se sabe quando você passa quando a camisa bem passada casa com o cabelo repartido e a barba bem cortada. Bem sóbrio sobre o banco branco naquela bela praça cheia da gente, e de graça, vejo você engomado andar apressado e carregando com cuidado, sua pasta preta também agitada. De livro à Chico, um mundo velho de sonhos e silêncios ali dentro. Agora você senta no banco e me conta à Clarissa, a saga do você chegando. Suspiro de cansaço. Aquele este esse banco inconfidente, nada confortável e sempre sorridente, foi testemunha mais ardente do nosso terno, ora moletom, primeiro abraço.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

12


Hoje um dos meninos três vezes quatro igual a doze paixões escondidas.
Doze paixões escondidas hoje podem ser descobertas por seis outros meninos amanhã.
Cada segredo desse é uma dupla.
Cada dupla junta um segredo, de cada segredo desse nasce um menino.
Que cresce. E descobre outro segredo.
Um dos meninos descobre que três não combina com dois.Ou dois. Ou dois.
Três não. Mas insiste e multiplica.
E então um dos meninos três vezes quatro igual a onze ...

11



Quero te conhecer. Ainda não te conheço e nem você me conhece, por inteiro. Então não precisa dar aquele abraço agora se não quiser. Ainda não pertenço a você e você, muito menos à mim. Então não precisa me ligar quinze vezes ao dia pra saber como vão as coisas. Não precisa traduzir cada significado. Nem me abraçar forte. Ainda. So me deixa saber quando. Onde. Vai estar sozinho.

Você sabe como fico só. Quando também. Sabe aproveitar isso. E meu coração chia. Lamenta. Quando vai embora. Quero te conhecer. Agora não. Onde. Quando. Vou indo. Em meia hora. Moletom ou terno. Menino ou projeto de homem. Como você prefere. Tênis. All Star sujo. Sapato. Preto de verniz brilhante. Ainda não pertenço a você. Não exija muito. Nem me ligue. Me traduza. Mas me abraça. Onde. Sozinho. Só me deixa saber quando.

10


Rezando e remoendo meus doces sonhos e minhas intermináveis ilusões, vi no meio do nada, os seus sonhos e suas ilusões, embora em sabor diferente e distância não equivalente às minhas. No deserto uns cavalos corriam e elevantes bebiam água de doces fontes de sonhos. Nas mesmas que você um dia bebeu. Eclipse. Pensei sentir naquele exato momento o sol queimando toda a visão que tinha. Mas pensei. Só pensei. O sol não me queimou, mas por um momento me beijou nervosamente, e por um instante pensei ser você. Aos poucos meu corpo todo foi sendo queimado e a sensação de um grande beijo seu me envolvendo era igualmente quente. Um copo de vinho cai e inunda meu quarto. Do nada uma explosão. Me recuso a acordar. Me levantar e perder a sensação quente do beijo de meu amado sol. Outra explosão. Acordei e lavei o rosto. Bom dia.

sábado, 20 de junho de 2009

9


Gostaria de rebobinar a fita da minha vida só um dia e voltar ao momento em que minha única preocupação era acordar ir pra escola almoçar fazer a lição de casa e pronto. Voltar ao momento em que minha única dúvida era se eu iria partir o cabelo para esquerda ou direita e se teria biscoito ou bolo no lanche da tarde na casa da minha tia que morava do outro lado da rua. Voltar ao momento em que construia sonhos intermináveis na minha cabecinha enquanto voltava da escola, sonhando por exemplo, com o dia em que seria grande teria um carro verde antigo meu apartamento e uma tatuagem old school escrito mamãe em um coração vermelho gritante, bem vermelho. Bem coração. Igual aos dos desenhos do livro na estante da papelaria no centro da cidade.

Gostaria de rebobinar a fita da minha vida só um dia e voltar ao momento em que meu único medo era acordar e não achar meus pais em casa. Voltar ao momento em que meu maior temor era tirar vermelho, bem vermelho, em matemática e levar uma bronca e ainda ficar sem sobremesa. Meu maior medo um dia foi ter as calças abaixadas no meio do recreio e ter meu pintinho aparecendo pra todo mundo.Voltar ao momento em que o medo de assustar com filme na TV era bom.

Gostaria de rebobinar essa tal fita e voltar para o momento em que o colorido da minha vida ainda não tinha virado sépia e que o verde da arvore vibrava quando beijava o amarelo bem forte do sol.

Hoje nem sei pra que lado parto meus cabelos.

8



Parte verdade. Parte mentira. Acho que entrei nos eixos. Oh meu Deus. Acho que entrei nos eixos.Entrando nos eixos saberei reconhecer o eu que estava fora deles. Parte verdade. Mais ainda terei vergonha do eu que eu era. Parte Mentira. Acho que entrei nos eixos. Meu Deus. Justo nos eixos. Não quero seguir reto. Parte verdade. Não quero seguir torto. Parte mentira. Jesus me olha. Me olha de novo. Viu. Quero sair dos eixos que conduzem minhas dúvidas. Parte verdade. Parte mentira. Quero sair dos eixos que me fazem ver dois do mesmo eu. Verdade. Verdade. Sem partes. Parte mentira. Oh meu Deus. Acho que entrei nos eixos. Que eixo. Que verdade. Que mentira.

7


"Her face just brought deception to this soul. The boundaries were now broken, the tears meticulously kept in hold were now rolling down, forming a deep lake of dreamt hopes. He noticed the cycles of sadness had been present more often, her voice was fading away every each passing day. His willing body demanded to be submerged into a viscuous sin whilst his mind starved for a virginal redemption, the purest salvation, leaving behind the material dirtness. The love had become less ethereal, gaining weight like a burden, the compromises firmed with the body's fluids imprisoned that soul, transmuting the life into a regardless oblivion state".

Vindo do meu outro eu.

terça-feira, 16 de junho de 2009

6 -


Se você acha que está no caminho certo. Te provo o contrário. Se você acha que está no meu caminho. Aí pode vir. Eu sei bem do seu tipo. E daí, vou ter que jogar. Vou te levar num todo. Venha quando eu disser. Melhor não estragar o momento. Eu sei que devem existir outros. E daí, você tem que rezar. Outros pra mim. Claro. Reze por mim. Claro. Fique de joelhos. Se você acha que está no caminho certo. Agora pode ser. Se você acha que está no meu caminho. Agora sim pode rezar. Vou te levar num todo. Peça perdão quando eu disser. Melhor não acabar com o momento. Se eu fosse você, começaria a rezar agora. Fique de joelhos. Peça. Peça. Peça por mim. Comece com Querido Deus.

domingo, 14 de junho de 2009

4

Gostaria tanto de ser um par de meias amarelas pra esquentar seus pés num Julho frio. Pra ser sincero, gostaria de ser uma gaveta cheia delas, somente amarelas, para andar com você sempre. Amarelo. Ouro. Claro. Desbotado. Mostarda. Almodóvar. Gritante. E se verão chegasse. Gaveta esquecida seria. Provavelmente nunca aberta. De quando em quando para ser limpa, aberta. Evitando o mofo. E se verão chegasse. Gostaria de ser uma gaveta cheia de regatas. Nunca te vi de regatas. Seria outra gaveta esquecida. E se além de ser uma gaveta cheia de meias amarelas, o tempo eu controlasse, inverno seria o ano todo, pra que sempre perto de você, ficasse.

sexta-feira, 12 de junho de 2009



“People's fantasies are what give them problems. If you didn't have fantasies you wouldn't have problems because you’d just take whatever was there. But then you wouldn't have romance, because romance is finding your fantasy in people who don't have it. A friend of mine always says, "Women love me for the man I'm not." – WARHOL, Andy.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

3

Natal de cinco anos atrás, atrás de uma árvore. De natal. Meu presente era um beijo guardado numa caixa vermelha que estava dentro de uma caixa maior, meio bege. O amigo não era oculto. Nossa brincadeira era outra.

A arvore de natal foi testemunha da entrega de presente mais emocionante que já fiz. Pelo menos tentei fazer. Nunca havia entregado um beijo como presente a ninguém nos meus poucos anos de vida. Casa dos meus avós. Digo casa da minha avó. Meu avô morreu. Há três anos. Infarto. Meu Deus. Gritou minha avó. Não pelo meu avô. O grito foi pela tigela nova que mamãe comprou que caiu no chão.

Voltando a árvore. Leonardo. Pedro. Miguel. Felipe. Aquela arvore testemunhou a entrega de beijos de meus primos. E eu também. Todo natal um deles entregava beijo a alguém. E eu espiava por de trás da árvore. Agora era a minha vez.

Cheguei tímido. Caixinha vermelha nas mãos. Ora parecia que estava com ela na boca. A caixa bege tremia. A vermelhinha também. A tampa se abriu e o beijo escorreu. Caiu de leve nas bochechas do tapete. Entrega mal sucedida. E para minha vergonha, Leonardo, Pedro, Miguel, Felipe estavam atrás da arvore me espiando. E riam. Eu chorei. Perdi meu primeiro beijo.

Cresci revoltado odiando natal. Até que um dia conheci Olga que de tanta bijuteria, parecia com a tal arvore. E é atrás dela que corro até hoje pra dar um beijo, não o primeiro. Mas um dos vários que ainda me restavam naquela caixinha.

2

Hoje almocei almôndegas. Odeio almôndegas. Embora a moça que as cozinhe aqui em casa as chame de pelotas, o que me faz ter mais ódio ainda delas. Não sei o que acontece que não digiro muito bem carnes em geral. Principalmente almôndegas.

Tenho um passado negro com almôndegas. Fazem-me lembrar da vez que meu pai cuspiu uma amídala, quase uma mini-almôndega. Inflamação. Eca. Cuspiu todinha sem cirurgia.

Nunca vou me esquecer daquele dia traumatizante. Um horror. Papai chegou tossindo, reclamando de dor de garganta. Tossiu uma. Duas. Três vezes. Puff. Voou. Trezentos e sessenta graus. Um verdadeiro duplo twist carpado. Caiu no carpete, rolou até onde o carpete encontra o rodapé, e lá ficou.

Enquanto acudíamos papai, coitado, Matilda, a siamesa que morreu de toxoplasmose anos depois, brincava com a amídala de papai. Eca. Saí daí Matilda, gata demônia! Dizia eu em febre do momento. Catamos a amídala e jogamos fora, claro em condições higiênicas o suficiente para ser separada em um lixão. Ou reciclagem. Enfim.

No outro dia, que maravilha. Almôndegas no almoço. Minuto de silêncio. Por um momento pensamos em comer Matilda no almoço. Não seria nenhum problema levando em consideração o tanto de carne de gato que clandestinamente comemos pelos churrasquinhos da vida.

Não comemos Matilda. Mas ela morreu. Toxoplasmose. Anos mais tardem. Meu pai bem. Após uma semana de antibiótico. Firme e forte.

1

Acordei às 07h15min, ninguém em casa tinha levando ainda. Fui ver se meus pais ainda estavam dormindo. Estavam. Minha mãe, como imaginei, não teve uma noite muito boa após a notícia da minha avó. Meu pai, não tinha levantado ainda. Estranho. O frio me fez ter a impressão de que algo tinha parado. Pouco movimento na rua. Assim como nas calçadas. Fiz o café da manhã e me arrumei para a aula. Ao sair minha mãe estava dormindo ainda. Meu pai tinha começado a ler o jornal na sala. Fechei a porta.

Nada de mais, hoje eu estava meio desligado. Sorri pouco, a não ser para a caixa da padaria. Ela estava de mau humor, e eu sempre sorrio para quem está de mau humor. Gosto de sorrir para quem está de cara feia. A não ser quando estou com dor de cabeça Não sorrio para mudar o dia da pessoa, ou algo do tipo. Sorrio por implicância mesmo.

Voltei para casa. Levei minha mãe para a rodoviária. Era 11h30min. Preocupada com a sua avó. Eu também. Alguma notícia nova. Nenhuma. Estado grave? Derrame. O segundo, certo? Sim. Que dia volta? Não sei, cancelei minhas aulas por duas semanas. Tchau. Tchau, dou notícias. Um abraço. Cuida do seu pai.

Dirigi sem rumo por um tempo até chegar em casa. Tinha aulas a tarde. Sorte que as tinha. Aulas me colocam no eixo de concentração. Não fujo delas, mesmo quando tenho mil coisas para pensar sobre minha outdoor life.

Acabaram as aulas. Casa. Banho. Comida. Internet. Textos. Internet. Comida. Louças sujas. Quatro vasilhas. Poucos talheres. Dois pratos. Eram dois ou três? Não importa. Internet. Divagações. Esclarecimentos. Novas dúvidas. Algumas certezas mais. Sono. Dentes. Listerine. Internet. Tchau. Sono. Cama.

Dormi. Profundamente. Sonhei. Acordei no meio da noite. Dormi. Despertador. Acordei às 07h15min, meu pai não tinha levando ainda...