quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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Após quase um ano de namoro e quatro meses morando juntos, finalmente o pedido foi feito.  Na sala do nosso apartamento, que fazíamos questão de deixá-la sem móveis; apenas um aparador de vidro cuja única e exclusiva função era guardar as chaves do carro. Saí do banho e fui surpreendido por um abraço tão forte que se não fosse a força adquirida em anos de exercícios físicos teria explodido minhas costelas, abraço tão forte que me tirou o ar. E nem era preciso me abraçar forte pra me tirar o ar, sua singela fala ou singelo gesto, qualquer um que fosse, era forte e me deixava no mesmo patamar de alguém com um sério enfisema pulmonar.

Esbarrei a mão no aparador e o mesmo tombou, jogando as chaves no chão e se despedaçando em milhares de pedaços nos tacos de madeira. Ainda abraçados e ainda "enfisêmico", vi tudo aquilo em câmera lenta; cada pedaço sendo jogado longe, cada pedacinho sumindo na claridade que o sol das cinco fazia no chão da sala. Mas não nos preocupamos. O pedido se despedaçava no meu ouvido da mesma forma e na mesma frequência em que o vidro do aparador se espalhava no chão.

Sua cabeça estava colada a minha, sua voz entrava de maneira lenta e fracionada enquanto eu observava o mais ínfimo pedaço de vidro escapulindo e quicando pra fora da janela do apartamento. Com sua cabeça  colada a minha, fiquei com medo de pensar qualquer coisa que estragasse o momento e então imaginei  a minúscula lasca de vidro caindo no topo do sorvete do menino que passava sete andares abaixo e após engoli-la foi levado às pressas para o pronto socorro. Uma vez que sobreviveu a terrível sensação de comer vidro foi levado para casa e como recompensa por ter sido um bom garoto no hospital, ganhou outro sorvete. Foi o que pensei para ficar calado por um tempo.

No momento o corpo ficou desconexo com os sentidos mentais, era mesmo o pedido que eu queria ouvir desde quando passamos a morar juntos, e finalmente foi feito. Ao me soltar, descolei lentamente do seu corpo e percebi que havia molhado toda a camisa azul clara que eu havia passado na noite anterior, para uma reunião especial. Pedido feito, pedido aceito. Casal feliz.

Na lista de presentes de casamento uma nota foi feita no verso  - não por mim - e se lia:

Por motivos de ataques histéricos, momentos de alegria exacerbada e com o intuito de evitar engasgamento de outrem, agradecemos se aparadores de vidro não forem dados como presentes.

 Atensiosamente, o casal.

Meus amigos ficaram preocupados e com receio de que violência doméstica pudesse ser algo praticado com frequência e entusiasmo pelo casal e, eu tenho sempre que imaginar coisas diferentes a todo momento que estamos de cabeça colada, senão além de destruidor de objetos ainda serei tachado de estar obcecado por meninos com sorvete. E só para constar, a sala continua vazia.

3 comentários:

  1. Gostei disso. Bonito texto, é bem como me sinto agora.

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  2. Igor,
    Que blog interessante, tratando-se de você mesmo.
    Você escreve (e descreve) muito bem as situações.

    Parceira? Vou adicionar seu blog à minha lista de terceiros.

    Abraço.

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