Nunca conhecera, até o dia que esbarrou com o moço forasteiro na mercearia, um francês de verdade; talvez os modelos estampados nas propagandas da vogue ou elle seriam. Até o dia em que esbarrou com o moço moreno de olhos azuis na mercearia, não conhecera um francês de verdade. Vira um ou dois filmes do Jeunet, quando na capital, a prima a levara no cinema, mas en personne, não conhecia.
As aulas de francês custam ao pai o equivalente a meio salário pago a empregada doméstica há anos na família. Luxo não é, necessidade sim. Dizer ao pai a intenção de ter aulas com um moço forasteiro tomou-lhe uma semana de preparação e simulação de diálogos possíveis.
O parisien, agora atração local dos desocupados e curiosos, ganha então uma aluna. Segundas e quintas-feiras, sempre após o ave maria na igreja da praça central, as aulas acontecem, na sala do pequeno apartamento feita em sala de aula. Graciosamente vestida e sempre pontual, acomoda-se numa cadeira , presta atenção em todo e qualquer gesto do professor.
Todas as amigas da mocinha sabem das aulas e à prima da capital, escreve cartas com tentativas audaciosas de escrever frases inteiras em francês. Colônia, não usa mais, nem alfazema carrão, só eau de toilette. E é francês, na mesa, no banho e na cama. Como era gostoso meu francês.
Um dia, melhor amiga diz ficar sabendo, os franceses não se limpam e as moças não depilam as axilas. O velho do armazém espantando diz ao pai da moça, os franceses comem lesmas e possuem hábitos estranhos, deixam um queijo mofar até azular e aí comem. É um horror.
O sotaque engraçado e envolvente sempre faz à moça, cócegas, mesmo quase dois metros de distância um do outro. Suave, suave. Dois meses inteiros até agora, aulas semanais e lábios apertados. O francês se enfadou, resolveu voltar pra casa. Mocinha chorou, chorou, choraria em francês se possível.
Ficou amarga, bruta, áspera, mandona.
Totalitária, inclusive.
Resolveu um dia, incerto, estudar alemão.