quinta-feira, 26 de novembro de 2009

32


Após quase um ano de namoro e quatro meses morando juntos, finalmente o pedido foi feito.  Na sala do nosso apartamento, que fazíamos questão de deixá-la sem móveis; apenas um aparador de vidro cuja única e exclusiva função era guardar as chaves do carro. Saí do banho e fui surpreendido por um abraço tão forte que se não fosse a força adquirida em anos de exercícios físicos teria explodido minhas costelas, abraço tão forte que me tirou o ar. E nem era preciso me abraçar forte pra me tirar o ar, sua singela fala ou singelo gesto, qualquer um que fosse, era forte e me deixava no mesmo patamar de alguém com um sério enfisema pulmonar.

Esbarrei a mão no aparador e o mesmo tombou, jogando as chaves no chão e se despedaçando em milhares de pedaços nos tacos de madeira. Ainda abraçados e ainda "enfisêmico", vi tudo aquilo em câmera lenta; cada pedaço sendo jogado longe, cada pedacinho sumindo na claridade que o sol das cinco fazia no chão da sala. Mas não nos preocupamos. O pedido se despedaçava no meu ouvido da mesma forma e na mesma frequência em que o vidro do aparador se espalhava no chão.

Sua cabeça estava colada a minha, sua voz entrava de maneira lenta e fracionada enquanto eu observava o mais ínfimo pedaço de vidro escapulindo e quicando pra fora da janela do apartamento. Com sua cabeça  colada a minha, fiquei com medo de pensar qualquer coisa que estragasse o momento e então imaginei  a minúscula lasca de vidro caindo no topo do sorvete do menino que passava sete andares abaixo e após engoli-la foi levado às pressas para o pronto socorro. Uma vez que sobreviveu a terrível sensação de comer vidro foi levado para casa e como recompensa por ter sido um bom garoto no hospital, ganhou outro sorvete. Foi o que pensei para ficar calado por um tempo.

No momento o corpo ficou desconexo com os sentidos mentais, era mesmo o pedido que eu queria ouvir desde quando passamos a morar juntos, e finalmente foi feito. Ao me soltar, descolei lentamente do seu corpo e percebi que havia molhado toda a camisa azul clara que eu havia passado na noite anterior, para uma reunião especial. Pedido feito, pedido aceito. Casal feliz.

Na lista de presentes de casamento uma nota foi feita no verso  - não por mim - e se lia:

Por motivos de ataques histéricos, momentos de alegria exacerbada e com o intuito de evitar engasgamento de outrem, agradecemos se aparadores de vidro não forem dados como presentes.

 Atensiosamente, o casal.

Meus amigos ficaram preocupados e com receio de que violência doméstica pudesse ser algo praticado com frequência e entusiasmo pelo casal e, eu tenho sempre que imaginar coisas diferentes a todo momento que estamos de cabeça colada, senão além de destruidor de objetos ainda serei tachado de estar obcecado por meninos com sorvete. E só para constar, a sala continua vazia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

30



Língua e linguagem são coisas que me espantam certas vezes. Ontem durante uma conversa não mais que genial ou não menos que estúpida ou vice-versa, fiquei questionando algumas palavras de nossa querida língua portuguesa, língua esta cheia de aspectos confundíveis e até dolorosos - aos olhos e ouvidos.
A palavra em questão é buceta. Sabemos que buceta vem de bolseta, bolsa pequena e que foi relacionada - quem sabe por qual motivo, não é minha gente? - ao orgão genital feminino.
Que dizer da palavra maneta? Maneta é o indivíduo que não possui mão; perneta não possui perna e por aí vai. Por aí vai? Não! Além de buceta temos a punheta, que poderia ser perfeitamente um sujeito sem punho, um caso menos fortunado de maneta, o sem mão.
O sufixo ETA então sugere falta de algo. É isso queridos professores lingüístas? Não precisamente, considerando que maneta e perneta são termos informais para nos referirmos aos alguma-coisa-eta. Punheta: mais informal impossível e trágico, dramático:
- Pobre menino punheta! 
 Não vou discorrer sobre a ambiguidade da frase acima que é quase paradoxal. Significando então a falta de algo, o que faltaria para o pobre (ou para a pobre) buceta? Buço minha gente! Muito buço. Eu, como exemplo, sou um buceta desde sempre, já que nunca tive um buço proeminente e piloso.
Citei acima que nossa língua possui aspectos confundíveis, e realmente possui. Se buceta designa mesmo alguém sem buço e poucos sabem - ou se significasse e poucos soubessem - teria-se muito problema. Imagine só a seguinte cena:  
-Mamãe, finalmente conheci um rapaz buceta! 
- Sério minha filha? Que bom isso! Pelo menos não terás problema com sopas no bigode de teu marido.
Isso ficaria pior ainda se levando-se em consideração outro sufixo de igual complexidade no caso de buço: o UDO/A.
 Frida Khalo (deve estar se revirando no túmulo, com meus perdões) foi uma artista bucetuda. Seu buço piloso era um de seus atributos físicos mais chamativos.
Termino o texto de hoje desapontado e confuso; com quase vinte e dois anos de idade ainda sou um buceta e mais ainda, tem mulher muito mais bucetuda que eu.